sábado, 17 de fevereiro de 2007

Comunidade dos jogos de vídeo - o caso da Imprensa *

A comunidade existente

Tal como foi mencionado anteriormente a comunidade tem um papel fundamental na determinação do que é arte ou não. Ao concluir apresentei o facto de a comunidade existente ser fechada e não conseguir, ou tentar, comunicar com o exterior. Não contribui para que os jogos de vídeo façam parte da cultura geral, no entanto não deixam de ter efeitos dentro da sua comunidade fechada.
São elementos da comunidade:
• os jogadores, que podemos distinguir em:
 ocasionais / casuais ;
 “hardcore”, sendo estes últimos em menor número mas grandes consumidores e que se mantêm bastante bem informados;
• a imprensa;
• as produtoras de videojogos.

Cada elemento tem um papel ligeiramente diferente, descrito nos passos seguintes.


O papel que a comunidade – a imprensa

Há um grande número de publicações que testa os jogos e os avalia, geralmente atribuindo-lhes uma nota, tal como um professor que corrige os trabalhos dos alunos.
Este tipo de teste geralmente assenta fundamentalmente na parte técnica: gráficos, som, jogabilidade. Uma nota ao jogo na sua globalidade, enquanto conjunto e interacção dos vários elementos, nem sempre é atribuída, ou é-o muitas vezes na forma de média de cada um dos valores dados aos elementos tradicionais. A análise é fundamentalmente técnica e assenta bastante na comparação com o que é a referência no momento. De facto raras são as publicações que valorizam a componente artística, ou a inovação (muitas vezes confundida com a novidade, que se resume a colocar pequenas coisas novas nos jogos, melhorias de gráficos ou acréscimo de um ou outro extra). O facto de se comparar com a referência no momento leva a um enviesamento das avaliações para o padrão, penalizando quem não partilha a mesma “onda”. Ainda podemos considerar um elemento como a dificuldade que, de forma uma pouco inexplicável, não é raro penalizar a nota do jogo caso seja elevada. A respeito da dificuldade há pouco consenso entre os jogadores, podemos considerar no entanto que, regra geral, quem prefere jogos mais difíceis está no grupo dos jogadores “hardcore” (o termo pode ser usado para se referir exactamente ao jogador que prefere um desafio maior, será essa a definição que encontram na wikipedia).
Além do enviesamento há ainda questões do jogo que são menosprezadas, como por exemplo a história, caso exista, a qualidade dos textos e diálogos e construção de personagens. Podemos incluir neste grupo a inteligência artificial, que não é particularmente valorizada desde cumpra os mínimos (pode ser penalizadora, se elevar a dificuldade do jogo vai ter efeito na categoria da dificuldade). A inovação no sentido de alteração do aspecto (novas formas de expressão visual e sonora), jogabilidade ou conceito de jogo para algo fora do que está na norma não só é geralmente menosprezada pode ser penalizada pela generalidade das publicações.
O facto de se fazer uma análise tratando como igual todo o género de jogo (RPG avaliado por critérios semelhantes aos de um FPS, por exemplo) também em nada contribui para o rigor e qualidade das avaliações.

A minha consideração sobre a imprensa especializada é que geralmente é fraca e tem critérios de avaliação mal definidos. Como os jogos não são levados muito a sério e têm uma grande parte do público em camadas mais jovens, grande parte das publicações tem um nível baixo de qualidade. Um fenómeno estranho é que grande parte das publicações atribui notas altas a quase todos os jogos, colidindo com a ideia de alguns de que os jogos estão a atravessar uma crise. Outro factor que penaliza estes testes é o facto de este tipo de imprensa ser relativamente recente, não estando ainda consolidados métodos de avaliação (em parte porque não se faz um estudo rigoroso do que é um jogo de vídeo). No panorama internacional há algumas publicações de referência (Famitsu, Edge), não são no entanto as mais vendidas e que atingem mais jogadores, principalmente ocasionais. Muitas vezes fala-se da nota atribuída por estas revistas para dar credibilidade ao jogo.

Sobre as notas dos testes, podemos considerá-las funcionais mas não fundamentais. São tantos os problemas e limitações no teste de um produto complexo como um jogo que uma avaliação apenas em texto poderá ser suficiente (e até mais exigente, tanto ao jogo como a quem elabora o teste).
Os testes elaborados vão interferir com os restantes elementos da comunidade e afectam o rumo que é dado à evolução dos jogos de vídeo. Primeiro porque o seu tipo de avaliação vai passar a ser o tipo de avaliação que muitos consumidores vão fazer, o que leva a uma sobrevalorização de uns aspectos em detrimento de outros. Depois porque quem produz jogos se vai preocupar em satisfazer a imprensa e receber avaliações positivas, dando particular importância aos elementos que vão ser avaliados.
Dado o conservadorismo, essencialmente técnica e pouco ligada à parte artística, da imprensa e a sua importância nos restantes elementos da comunidade podemos desde já concluir que os jogos se desenrolam num ambiente avesso à inovação* e favorável à novidade*, ou seja, o desenvolvimento pleno dos jogos enquanto forma de arte, que requereria liberdade e criatividade, sofre a castração da comunidade “liderada” pela imprensa, que deseja um desenvolvimento na linha do que está habituada. Cria-se um paradigma e, tal como na ciência, quem está dentro dele vai resistir às eventuais agressões dos novos conceitos de jogo.

Um desenvolvimento intelectual da imprensa que estimule a inovação é desejável e fundamental para divulgar essas novas ideias. Tal como na ciência, se os defensores de novas teorias não conseguirem comunicar com a restante comunidade verão o seu esforço e trabalho resultar em nada. Também aí o papel das publicações é fundamental na difusão de novos conceitos (teorias). No caso da imprensa especializada nos jogos de vídeo há uma certa inconsciência do seu papel.

Para que não fique a impressão de que só há aspectos negativos do processo actual convém apresentar os pontos positivos. Um deles é que o paradigma tem o mérito de criar uma linguagem, quem está dentro do universo dos jogos já tem um conjunto de conceitos e capacidades que decorrem da sua envolvência com os vários jogos e comentários a jogos. Esta linguagem não tem de ser abandonada, a meu ver tem de ser expandida. A avaliação técnica não deve ser abandonada, apenas se lhe deve retirar alguma importância.


*Nota:
Nos termos que uso, a inovação remeto-a para a parte artística enquanto que a novidade é remetida para a parte técnica. Entre elas distingue-se ainda que a novidade é fungível ao passo que a inovação é durável.
A novidade, longe de ser inútil, possibilita mais inovação através de um alargar das restrições técnicas.


* retirado de estigma2005

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