quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Ouve-se por aí que o ano foi farto em azeitona. Quando se começou a formar o fruto não choveu, o que mirraria a azeitona, esteve antes um clima ventoso e soalheiro - o ideal para o trabalho das oliveiras.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 11

A maneira de preparar a infusão do chá em pó e a arte de servi-lo constituem a tão famosa cerimónia do chá-no-yu. Foi assim que o uso do chá se introduziu no Japão, como uma prática litúrgica dos frades budistas da seita de Daisu, exercida no propósito de prolongarem as místicas vigílias preceituadas; servia ao mesmo tempo de pretexto para reuniões íntimas, que eram, imagine-se, um aprasível desenfado à proverbial monotonia do convento; sendo um meio eficaz de estreitar laços de estima, pelas confidências segredadas, pelos sorrisos beatíficos que se cruzavam, enquanto a única taça ia passando, de mão em mão, de boca em boca, fraternalmente, até se esvaziar.
Mais tarde adoptou-se entre o povo o uso das folhas; mas o chá-no-yu persistiu nas bonzarias, propagando-se também nos costumes profanos, então com um exuberante luxo e aparato, que muito apaixonou a alta nobreza. Pelos dias que correm, ainda está em moda, sem distinção de classes; é um hábito gentil que ficou dos velhos tempos e a que todos podem entregar-se, tido em valia pela delicadeza estética do cenário e ainda não despido do prestígio ortodoxo que vem da remota tradição.
O chá-no-yu, se pode definir-se, é a arte de preparar a infusão em pó, com esses escrúpulos de limpeza, com esses requintes de elegância de que só é capaz o japonês; sendo a bebida oferecida a alguns amigos de eleição, adrede reunidos num recinto disposto para a paz do pensamento e para o agrado dos sentidos.
Bom é dizer agora que os códigos referentes a matéria tão grave são inúmeros, diversas as escolas; e os grandes profissionais, chajin (homens do chá), de celebridade imorredoira, centenas de volumes escreveram sobre o assunto.
Tudo foi regulamentado e comporta um preceito, que não é lícito esquecer. Nos tempos áureos do chá-no-yu, o pavilhão que recebia os hóspedes era construído num jardim e obedecia a uma arquitectura inconfundível. No seu arranjo interno, para a cor das paredes, para a disposição de luz, para o número das esteiras, para a jarra com flores ou com um ramo de árvore, havia praxes a seguir; o kakemono (quadro suspenso da parede) de via representar uma paisagem que fosse impressionar a pupila com carinho; ou antes uma simples sentença escrita por um pincel de mestre caligráfico, pois nada comove tanto a aguda sensibilidade desta gente como os seus caracteres de estranha construção, cada um equivalendo já a uma síntese de ideias e predispondo, pela sentida contemplação - ora uma desenvoltura de traço, ora por uma ondulação de curva-, ao vago discorrer da alma sonhadora.

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 10

O chá japonês, servido invariavelmente leite e sem açúcar, que lhe prejudicariam o aroma, é a bebida mais suavemente agradável que possa oferecer-se ao nosso paladar (não de todos, porém, mas um paladar sentimental, um tanto sonhador... que nisto dos nossos orgãos de sentir há temperamentos, aptidões afectivas características....). O guyokuró, por exemplo, que é o mais celebrado chá de Uji e de todo o Japão, instila tais subtilezas balsâmicas de sabor, que mais parece um perfume; poderia dizer-se que uma maravilhosa alquimia conseguiu liquefazer os aromas das flores - flores do jardim, flores silvestres -, transferindo do olfacto ao paladar a impressão do gozo. Assim é o guyokuró; claro está que as palavras não podem traduzir senão por comparação as emoções sentidas; e esta, a do agridoce deliciosíssimo que nos fica nos lábios, persistindo, como na memória persiste uma reminiscência, uma saudade, é incomparável...
O chá japonês tem a virtude de mitigar a sede. Assim se explica o hábito de os japoneses não beberem água; mesmo na força dos calores, em pleno Agosto, a chávena de chá, saboreada a goles, lhes dá pleno consolo. Aponta-se-lhe mais outros condões: excita ligeiramente o organismo, conbate o cansaço das vigílias, predispõe ao bem-estar, infiltra no cérebro não sei que subtil embriaguez, lúcida todavia, que nos torna mais afectivos às sensações de agrado e mais aptos às elaborações do pensamento.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Afonso de Albuquerque, no leito de morte:

Mal com el-Rei por amor dos homens; mal com os homens por amor de el-Rei.

Fonte

domingo, 17 de agosto de 2008

Bem vindos ao séc. XXI

Balcãs e Cáucaso, como sempre, vão continuar a ser o sítio onde se medem as forças. E uma nova Rússia autocrática e agressiva mostrou o seu poder, a UE e os EUA mostraram o seu declínio. Bem-vindos ao século XXI.


quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Wenceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 9


Quando começaram a tomar chá os japoneses, era este reduzido a um impalpável pó e com ele se fazia a beberragem; depois veio o uso de empregar as folhas, apenas escolhidas e passadas pelos fornos; e é esta, ainda hoje, a maneira mais comum de prepará-lo.
No Japão toda a gente bebe chá - ricos e pobres, nobres e plebeus -: bebe-se na ocasião das refeições e a toda a hora, a pequeninos goles. No lar, quando entra o visitante, oferece-se-lhe, após as reverências, uma almofada de regalo e uma chávena de chá, palestra, fala da chuva e do bom tempo; só mais tarde de trata do negócio. Nos templos famosos, em Quioto, por exemplo, o bonzo oferece chá ao peregrino antes de lhe mostrar as relíquias e os museus. Pelos caminhos mais agrestes, que vão serpeando pelas colinas arriba, há rústicos poisos espaçados aqui e acolá, onde o caminheiro descansa alguns minutos, bebe uma chávena de chá, troca um sorriso, deixando em retorno um cobre sobre a esteira. Um restaurante, na pitoresca linguagem japonesa, diz-se chaya - que quer dizer - casa de chá. - De sorte que a chávena de chá, que acompanha os bons dias dados a quem chega, não constitui simplesmente uma norma rotineira, um hábito banal, tornou-se como que o símbolo da doce hospitalidade japonesa, um rito de bonomia desta gente, exercido religiosamente entre amigos, entre estranhos também, porque ao estranho, que larga à porta as sandálias, vem ao nosso lar e nos saúda, deve-se já um sorriso e a sua parte de conforto.
Na casa, nua de móveis, porém mimosa de asseios requintados, figura sempre o braseiro sobre a esteira, e nas brasas vai fervilhando a chaleira de ferro cheia de água; o bon (uma bandeja) está cerca, contendo o bule, as cinco chavenas (cinco porquê? talvez por serem 5 os dedos em cada mãozita japonesa), os cinco pires de madeira ou de metal, o cofre de estanho contendo o chá em folhas e ainda o pequenino recipiente de porcelana chamado yuzamashi, cuja ordinária serventia vai muito em breve conhecer-se. O sentimento artístico japonês deprava-se naturalmente na indústria de hoje, em grande parte com destino à exportação para a Europa e para a América; é nos utensílios comuns de uso indígena, onde não intervém o modernismo, que ainda reside o gosto estético, puro e inconfundível, da gente japonesa, revelando por si o complicado conjunto de esmeros, de elegâncias, de quimeras, em que a alma deste povo se deleita. No que respeita ao serviço de chá, é inarrável a gentileza de todo este arsenal de bagatelas, minúsculas, dando a impressão de serem destinadas a um banquete de bonecas!...
A água passa da chaleira para o yuzamashi, onde arefece, pois é preceito fazer-se chá com água que ferveu, mas já não ferve; prepara-se depois no bule a infusão, que é oferecido aos hóspedes nas pequeninas taças de fina porcelana.
Eis a prática e eis a pequena oferta, actos da vida íntima não poucas vezes repetidos durante cada dia, desde pela manhã até à noite. Poderiam julgar-se sem méritos que valessem do estranho um instante de atenção e um comentário; mas não sucede assim. Para alegria dos olhos, a simples preparação do chá imprime um relevo delicioso à graciosidade inata da musumé, na atitude que lhe é mais habitual, de joelhos sobre a esteira, junto do seu braseiro. A mímica é impressiva, única: privilégio daquela figurinha meiga e ondulante e daquela buliçosa mão, de finíssimos contornos, da japonesa, que é, em suma, a Eva mais gentilmente pueril, mais cativantemente quimérica, mais feminina enfim, de todas as Evas deste mundo. Parece certo que jamais o japonês, que ignora o beijo, haja pousado a boca naquela mão que exibe esplendores de graça para servir-lhe o chá; o forasteiro, em intimidade serena, pode ensaiar o galanteio se a fantasia o tenta; e então verá talvez que a mãozita da musumé, reconhecida ao afago, se aconchega de encontro aos lábios, se demora, como uma rola dócil golosa de carinhos.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 8

À introdução e vulgarização do chá na terra japonesa deveu grande incremento uma indústria desde remotos tempos exercida mas toscamente praticada - a cerâmica -, que havia de alcançar com o correr dos tempos um supremo grau de perfeição como arte nacional. A conservação da preciosa folha, exigindo escrúpulos inauditos para reter o seu perfume, marcou o ponto de partida. Foi Toshiro, um oleiro da aldeia de Seto, na província de Owari, quem fabricou os primeiros boiões para guardar o chá, empregando processos que aprendera na China, respeitantes à perfeição da pasta e dos esmaltes. Passava-se isto há sete séculos; e é curioso registar que seto-mono (objecto do Seto) é ainda hoje o nome consagrado para qualquer objecto de cerâmica.
Dos boiões, passou-se gradualmente às chávenas, aos bules, à gentil e complicada baixela que a infusão foi reclamando e o luxo pondo em moda; e ora aqui está como cerâmica no Japão - faiança ou porcelana -, que atingiu requintes de arte primosíssima, deveu ao chá e à água morna melhores progressos.

domingo, 6 de julho de 2008

Tentativa de persuasão de uma funcionária por um chefe:

- Não está interessada em ir para uma filial da nossa empresa no estrangeiro?
- Não. Sabe, tenho aqui a minha famíla...
- Eu também tenho aqui a minha família e estou lá.
- A sua noção de família não deve ser igual à minha.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 7

Tal é a indústria graciosa e tal é o chá que os japoneses bebem. Vede agora como a civilização ocidental contrasta com os usos destes asiáticos. Têm os japoneses, para lá do Pacífico, um grande consumidor do seu produto: é o Yankee. Tanto mimo e tanto esmero na apanha da folha e preparações que se sucedem não bastariam para o chá que os americanos vão beber. Vem de Uji e de outros pontos, tal como os japoneses o preparam, para as firmas estrangeiras de Cobe e de Yokohama; é então submetido a novas operações, ao sabor fino do paladar de Nova Iorque e de Chicago. Não são agora as camponesas, esbeltas e trajando roupas novas, que acodem ao mister; trabalham máquinas a vapor, fumegam chaminés e guincham engrenagens; e ocupa-se no preparo um mundo feminino inqualificável, escória das cidades, esfarrapado, piolhoso, horripilante, que a gente vê sair das fábricas à tarde como uma leva de mendigas, cheias de pó, de pústulas, de miséria. O fabrico do chá ao gosto americano consiste num segundo aquecimento em grandes fornos e na adição de varios produtos, como pó de uma certa pedra, soops-stone, e o azul-da-prússia. Assim é expedido.

Acrescento a ligação a Memória, onde se podem encontrar algumas obras , em português, de diversas áreas.

http://purl.pt/401/1/index.html

domingo, 8 de junho de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 6

Quem quiser tomar conhecimento com a planta de chá, nas melhores condições de prosperidade e em mais belas galas de aspecto pitoresco, tem de ir até Uji, distante 15 milhas de Quioto; escolhendo de preferência um dos primeiros dias de Maio, quando os rebentos novos começam vicejando, o que marca o ínicio da faina da colheita. Faina e festa; a povoação inteira acorda da sua modorra provinciana; desperta em esperanças, em júbilos, em actividades incansáveis, para votar-se aos cuidados da preciosa folha; deverá presumir-se em bom critério, que a quadra remoçante da Primavera em flores, com aromas nas brisas e quenturas criadoras, contitui também um forte estímulo para a alegria repentina que se pinta nos rostos de toda aquela gente.
O quadro é deveras aprazível. Após uma banal estação de linha férrea, estende-se a cidadezinha garrida, com as suas vielas muito limpas e a fila de lojinhas abarrotadas de vária mercancia. Depois segue-se o rio, de águas límpidas e frescas, rico de tradições de glória; galga-se a ponte em arco, entra-se no bairro das chayas, dos hóteis, em tal quadra povoada de fregueses galhofeiros e de gentis mulheres, as gueishas, que cantam ou dedilham no inseparável shamicen, e vêm depois dos campos, vastos campos de chá a sucederem-se pelo horizonte, cuidados como jardins, em longos alinhamentos de arbustos, copados, arredondados, lembrando enormes manjericos, de delicada rama de um verde-escuro bronzeado; no azul distante, alguns famosos templos confusamente se recortam.
As moças de Uji estreiam kimonos novos para o caso, arregaçando as mangas com fitas escarlates; amarram em turbante em volta dos cabelos toalhas de cor azul-e-branca; e assim, esbeltas, graciosíssimas, em ranchos de dez, de doze companheiras, dirigem-se ao trabalho. É então um encanto para os olhos ir a gente surpreendê-las no afã do seu mister, dispensas peças campinas fora, como borboletas; indo de um ramo a outro ramo, de um arbusto a outro arbusto, por vezes ocultando-se entre o verde mais denso da folhagem. Os dedos róseos, miudinhos, a escorrerem de orvalho e mutiplicando-se em gestos delicados, vão colhendo os rebentos tenros do chá e atirando-os a grandes ceiras dispostas pelo chão; as bocas vão sorrindo, patenteado as enfiadas alvas dos dentinhos; os olhos esbraseiam em juvenis amores inconfessados; as vozes unem-se às vozes, em ritmos comoventes de velhas canções locais:

«Quando nasce o sol radioso
Por cima daquele outeiro,
Todas as águas do rio
Parecem memo um braseiro!...

«Nestas águas do rio d'Uji
- Tão milagrosas que são! -
Lavam-se todos os males
de que sofre o coração...»

No campo as raparigas. Nas casas os homens, as velhas, as crianças. Será rara a família que não tenha interesses na labuta; as grandes fábricas constituem excepção, como em todas as primitivas indústrias japonesas; em cada albergue se improvisa uma manufactura, modesta, familiar, onde todos trabalham, risonhos, palestrando. O chá é escolhido, escaldado, posto a secar, grelhado em fornos, enroladas as folhas ou reduzido a pó, depois empacotado, guardado em latas, em caixas, em boiões; um melindroso amanho que requer mãos incansáveis, dedos prestimosos, cuidados inauditos, segredos de processo, meticulosidades devotas que espantam os profanos, nos quais colabora a gente toda válida daqueles arredores.
Tal é a indústria graciosa e tal é o chá que os japoneses bebem. Vede agora como a civilização ocidental contrasta com s usos destes asiáticos. Têm os japoneses, para lá do Pacífico, um grande consumidor do seu produto: é o Yankee. Tanto mimo e tanto esmero na apanha da folha e preparações que se sucedem não bastariam para o chá que os americanos vão beber. Vem de Uji e doutros pontos, tal como os japoneses o preparam, para as firmas estrangeiras de Cobe e de Yokohama; é então submetido a novas operações, ao sabor do fino paladar de Nova Iorque e Chicago. Não são agora as camponesas, esbeltas e trajando roupas novas, que acodem ao mister; trabalham máquinas a vapor, fumegam chaminés e guincham engrenagens; e ocupa-se no preparo um mundo feminino inqualificável, escória das cidades, esfarrapado, piolhoso, horripilante, que a gente vê sair das fábricas à tarde como uma leva de mendigas, cheias de pó, de pústulas, de miséria. O fabrico do chá ao gosto americano consiste num segundo aquecimento em grandes fornos e na adição de vários produtos, como o pó de uma certa pedra, soopstone, e o azul-da-prússia. Assim é expedido.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 5

Passando, em horas de ócio, junto dos campos de chá, dos quais sinto prazer em acercar-me, palestro com os aldeões e aprendo noções várias respeitantes à delicada planta. Não pode ser transplantada, nem se multiplica por estaca ou por excerto, só por sementeira se propaga. Os países quentes, como os países frios, são-lhe nocivos; prospera nos climas temperados, nos sítios lavados de ar e luz, vizinhos dos cursos de água, convindo um ligeiro declive ao solo de cultura. Os arbustos são dispostos em renques paralelos, de norte a sul, para que o sol lhes bata em cheio desde pela manhã até à noite; as plantas mais cuidadas reclamam na Primavera grandes toldos de palha, que abriguem das geadas as tenras folhas dos rebentos. Durante o primeiro ano, dispensam adubos, que depois se aplicam em períodos frequentes. A guerra aos vermes, aos insectos, exige zelos incessantes. No fim de 4 anos, já o arbusto se presta à primeira colheita; mas são as velhas plantas, de cem anos, as que melhor produzem.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

25 de Abril



Não é que não existam camélias em abundância no nosso país. Mas, se há flor que nos distingue dos outros, ela será o cravo.

terça-feira, 22 de abril de 2008

Wenceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 4

O Japão é a terra das camélias: camelia japonica, lá diz o latinório dos botânicos.
Quando, por fins de Novembro, começam os frios e as geadas e pouco tarda que as neves alvejem os dorsos das montanhas, quando cessam as últimas florescências dos jardins, é então que começam ostentando-se as belas flores desta esplêndida família das camélias. Vêm primeiro as sazancas, umas brancas, outras róseas, de mimosíssimas pétalas frisadas; seguem-se as camélias simples, sanguíneas, surdindo da rama espessa de árvores gigantes, espalhadas pelos campos; e após vêm as flores cuidadas, de luxo, variando em inúmeras formas, variando em inúmeros tons, desde o branco
de leite até ao róseo quase negro. Então igualmente desabrochaa pequenina flor do chá, que também é uma camélia, subtilmente perfumada, composta de cinco petalazinhas alvas contornando e protegendo o feixe áureo dos estames.

domingo, 6 de abril de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 3

Da China, veio o chá para as terras deNippon, mas não se sabe quando.
Velhas crónicas mencionam (no dizer dos entendidos neste caso melindroso) que, em 729 da era cristã, durante uma festa religiosa de espavento, o imperador Shomu oferecia chá a bonzos de alta jerarquia; mas fica-se ignorando se já antes seria conhecido... Parece que um bom abade budista, Dengyo Daishi, foi o primeiro que obteve a planta em solo japonês, em 805; o chá era então já uma beberagem favorita entre os bonzos chineses, que dela se serviam durante as vigílias prolongadas das suas práticas nocturnas. Mais recentemente, ainda outro bonzo, Eisei, tendo ido à China, de lá voltou, trazendo as sementes preciosas, e no monte Sefuri, em Chikuzen, cuidou da sua sementeira. Pouco depois, ainda mais outro bonzo (sempre os bonzos!) de nome Mioyé, colhendo de Eisei os vários segredos de cultura, novas sementes adquiriu, e em Toga-no-o e em Uji, lugares vizinhos de Quioto, atentamente se entreteve em cultivar o chá; em Uji, de preferência, foram os resultados excelentes. Dois séculos depois, cerca de 1400, o shogun (generalíssimo) Ashikawa Yoshimitsu imprimiu vigoroso impulso às plantações de Uji, as quais tanto foram prosperando, mercê da riqueza do torrão, que de então até hoje o chá daquele sítio tem sido celebrado como o melhor de todo o Império; dele exclusivamente se serve o imperador.

retirado de O Culto do Chá

sexta-feira, 28 de março de 2008

Capa de O Culto do Chá



Capa do livro, nada fácil de encontrar, e fotografia do escritor Wenceslau de Moraes.

O tem um grande número de ilustrações, pequenos desenhos, que tornam a leitura mais agradável.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 2

Oh, fé dos velhos tempos!... Oh, santos patriarcas de tão vários países e tão diferentes seitas, tenazes campeões, que fostes incutindo nos simples a crença, a esperança, o amor - bálsamos consoladores das duras misérias deste mundo -, como vos amo, a todos!...
Meus piedosos pensamentos elevam-se neste momento a Darumá. Segundo a tradição da gente japonesa, Darumá, o grande apóstolo indiano do budismo, veio à China aí pelo começo do século VI da nossa era cristã, e em terras chinesas pregou em honra da verdade, iluminando o espírito dos povos.
Consta que, por voluntária desistência das efémeras alegrias terreais, Darumá votou-se a passar a vida de joelhos sobre o solo pedregoso, absorto em contemplações místicas, sem mesmo permitir-se o simples regalo de dormir. Tantos anos permaneceu de tal maneira, que as pernas se lhe gastaram, claro está; e é assim, sem pernas, só com a cabeça e com o tronco, envolto num manto carmesim, que ainda hoje é figurado. A imagem tornou-se querida e popular entre esta boa gente japonesa; é mesmo um brinquedo corriqueiro entre as mãozitas das crianças - os santos e os meninos vivem sempre em boa companhia -; lembrando o tal brinquedo o nosso frade de sabugo, pela teima em voltar, por mais voltas que se lhe dêem, à sua postura habitual. Deve ainda saber-se que Darumá tem dado assunto, desde remotos tempos até hoje, a pintores da mais alta valia; Hokusai foi um deles, pintando o famoso Darumá sobre uma folha de papel de cerca de duzentos metros quadrados de grandeza, empregando oitenta litros de tinta no desenho e servindo-se de cinco vassouras à laia de pincéis; estendida a tela sobre o campo, no telhado de um templo a turba admirava a obra e aplaudia o mestre.
Mas voltemos ao que mais nos interessa, respeitante ao venerando culto que invoquei, ajoelhado sobre as pedras. Consta mais que, em certa noite, as pálpebras se lhe cerraram de fadiga, e o bom Darumá deixou-se adormecer, para só acordar pela manhã. Então, pedindo a alguém uma tesoura ou instrumento parecido, cortou a si próprio as pálpebras indignas e arremessou-as ao solo, num gesto de despeito... As pálpebras, por milagre, enraizaram, dando nascença a um gracioso arbusto nunca visto, que medrou mui de pronto e cujas folhas, tratadas de infusão pela água quente, foram um remédio precioso contra o sono o cansaço das vigílias. Estava conhecido o chá; tem pois na China a sua origem, e é coisa santa, como se acaba de provar. Crê que quer; mas devo advertir que este livro foi escrito para os crentes.

Retirado de O Culto do Chá

segunda-feira, 24 de março de 2008

Wenceslau de Moraes - O Culto do Chá

O Culto do Chá é uma das obras de Wenceslau de Moraes, mais uma que finalmente encontrei. Estava na secção de gastronomia.

Dada a dificuldade em encontrar a obra tentarei transcrever para o blog esse pequeno livro. Creio não serem de grande utilidade mais considerações sobre o escritor. O leitor atento encontrará melhor o valor do escritor na sua própria obra.


Parte 1

O CULTO DO CHÁ

Fala-se do Japão; nem, francamente, devera presumir-se que eu ia referir-me a um país qualquer ocidental, onde a nossa raça branca floresce.
É no Oriente, e em especial no Extremo Oriente, que as coisas comuns da criação ou os usos e costumes triviais da vida são susceptíveis de merecer um tal requinte, que constituam um verdadeiro culto. No espírito do europeu, despoetizado pela chateza dos ideais da época, atribulado pelas multíplices exigências da vida, pervertido pela febre do negócio, não medram de há muito os cultos. Especializando a observação ao chá, havemos de convir que este artigo de comércio, que de tão longe nos vem, prepositadamente adulterado conforme o nosso gosto, no fim de contas se resume numa detestável infusão que entrou em moda no sport social, simples pretexto para repastos pelintras, para reuniões banais, para palestras vãs.
A Ásia é outra coisa: a muitos propósitos imersa ainda em barbarismo, se assim se quer dizer; com mil defeitos e mil erros, que a sábia Europa aponta a dedo e algumas vezes corrige, quando pode, com a lógica dos seus canhões de tiro rápido; o que ela retém ainda, indiscutivelmente, esta, Ásia é o carácter ancestral, nada vulgar, nada rasteiro, palpitante de orgulhos de raça, aprazendo-se em sonhos e quimeras, acariciando a lenda, divinizando as coisas, prodigalizando os cultos; o que é, em todo caso, uma maneira amável de ir compreendendo a vida.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Nova Estação

A primavera chegou. As flores, essas já por cá andavam.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Phendrana Drifts

O tema de Phandrana Drifts no jogo Metroid Prime para Gamecube. Toda essa área está preenchida com este tema, dificilmente é esquecida por quem por lá passou. A zona de neve em conjunto com este tema forma um dos momentos mais elegantes dos jogos de vídeo.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Conferência - Masafumi Takada

Um resumo da conferência do compositor Masafumi Takada na GDC pode ser encontrado aqui. A opinião dele como o som é o elemento dos jogos que mais nos marca em intensidade e duração tem o meu pleno aval. É um pouco diferente do cheiro, talvez por ser expressão pura das ideias, como já alguém considerou.
Masafumi trabalhou com jun Fukuda na composição da banda sonora do Killer 7, o que pode ser tomado como exemplo das suas capacidades.


Game Developers Conference

quarta-feira, 12 de março de 2008

Entrevista Mão Morta - Maldoror

Estou sujo!
Comido por piolhos!
Os porcos quando olham para mim vomitam!

Esta palavras são talvez o momento mais potente do espetáculo e igualmente aparentam uma boa síntese de Maldoror. Palavras que expõem imagens sanguinárias, cruéis.

O espetáculo é cativante, mas com alguma dificuldade em evitar grandes oscilações de intensidade - o que prejudica aquela sensação de leveza que por vezes o espectador consegue ter ao sair do espetáculo.
Vale a pena ver este concerto encenado baseado em Maldoror, mesmo que por vezes ainda pareça pouco apurado. Certamente que ficará melhor a cada espetáculo realizado.

A entrevista resume o que demais há para dizer sobre Maldoror.

domingo, 9 de março de 2008

As Farpas



Ontem, no hipódromo de Matosinhos, realizou-se a corrida de cavalos da estação do Outono, promovida pelo Jockey Club Portuense. Um dia belíssimo. O hipódromo, apesar de não ter a vista grandiosa do hipódromo de Belém, está situado risonhamente à beira do mar por um lado, cercado de pinheirais por outro. A pista, de mil e quinhentos metros de extensão, plana e de bom piso. Não obstante essas favoráveis condições, para disputar o prémio do Governo na importância de 300$000 réis inscreveram-se apenas dois cavalos. O prémio de 100$000 réis, do Jockey Club, foi alcançado um cavalo que correu só, e chegou à meta no meio de grandes aplausos... Efectivamente ele tinha-se vencido a si mesmo, que é o cúmulo da força e da filosofia.
Na tribuna reservada às famílias dos sócios e na tribuna do público não havia mais de duzentas senhoras. No interior do campo uma dúzia de carruagens, quase todas de praça. A maioria do público tinha tomado modestamente o trâmuei de Matosinhos. De sorte que, pelo seu aspecto exterior, esta corrida de cavalos parecia especialmente destinada a aperfeiçoar a raça dos carros americanos.
O Governo, que por proposta do governador civil do distrito retirou ao teatro lírico do Porto o subsídio do quatro contos de réis, mandando aplicar essa quantia ao custeio de uma casa de correcção, suprimiu igualmente o prémio de 300$000 réis à sociedade do Jockey Club.
Desviar do teatro para uma penitenciária a protecção pecuniária do Estado parece-me ser da parte do poder executivo um duro e acerbo epigrama ao dilantelismo portuense. Enquanto à supressão do prémio ao Jockey club, o facto não é talvez amável para o Sport do Largo dos Lóios e da Rua de Santo António, mas é justo.
Enquanto o Governo não proteger o aperfeiçoamento da raça humana por um meio conhecido e praticado em toda a parte - a instituição dos jardins de infância -, será inconveniente, e poderia até ser perigoso, estabelecer um excessivo desequilíbrio entre as perfeições progressivas do cavalo e das inferioridades estacionárias do cavaleiro.
Para as necessidades do homem o cavalo parece-me que já está desenvolvido de mais, porque o cavalo de corridas excede o limite da utilidade prática e é uma excecrescência monstruosa. Se querem fazer sacrifícios para aperfeiçoar a raça de alguns dos animais que nos servem, não é para o cavalo que devemos dirigir a nossa atenção.
O homem tem que saldar com o burro uma dívida de indemnização. O burro doméstico é um animal atrofiado pela dureza e pela crueldade humana. Estudos de zoologistas demonstram que o burro selvagem é muito mais belo, mais corpolento e mais forte do que o burro doméstico. Como esse prestante quadrúpede era sóbrio, paciente e bom, nós abusámos dele, sobrecarregámo-lo de trabalho, pusemo-lo em dieta permanente, enchemo-lo de pancada. Com esse regime o burro degenerou, cresceu-lhe pêlo, estreitaram-se-lhe os ossos, alongou-se-lhe a orelha, fez-se melancólico e casmurro. Em pequeno é ainda vivo, esbelto, elegante, ligeiro; mas logo que principia a conhecer o mundo e os homens torna-se sorumbático, pensativo e caturra.
É preciso proteger o burro. A espécie assinina é susceptível de grandes progressos. Tornar esses progressos efectivos é uma obrigação para com a nossa conssciência e para com o burro, tão injustamente desprezado e, todavia, tão útil animal, tão submisso, tão simpàticamente prestável aos pobres, aos velhos, às crianças e aos enfermos!

Retirado de "As Farpas" de Ramalho Ortigão

Uma conversa entre duas senhoras na casa dos 80:

"Eu também costumo ver a bola lá em casa porque o meu homem vê. Só quando dá na televisão dos ricos é que ele vai ver ao café."

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Coregamers


Foi adicionado o link para a página Coregamers, dedicada ao movimento cultural dos jogos de vídeo. Acabou de sair uma entrevista a um produtor, Eric Viennot, que se mostra plena em oportunidade pelo tipo de jogo e jogador que este produtor sempre procurou. Pertinente nesta época talhada pela Nintendo e em mudança. Não vou comentar mais a entrevista, o melhor é deslocarem-se à página dos Coregamers. Deixo apenas uma ideia transmitida pelo produtor: a época dourada dos jogos de vídeo virá nas décadas que se avizinham. Uma ideia optimista que eu partilho.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Equívoco

Não estava a par de que na Turquia o véu islâmico não era permitido às mulheres que frequentam a universidade. Aprovou-se agora a revogação de tal prática que não compreende que a laicidade que se promove é a do Estado e não a dos cidadãos. Mas os movimentos anti-religiosos militantes tentam afastar as leis da constituição recorrendo a ela - e ignoram que está presente na mesma o direito de liberdade religiosa. Digo isto sem conhecer a constituição turca mas ciente que ideias como as da sua constituição vêm do movimento moral que os países mais ricos da Europa impuseram e que será o moralmente superior até surgirem nações mais ricas com código diferente.

notícia

sábado, 9 de fevereiro de 2008

Sweeney Todd: The Demon Barber of Fleet Street

Juntem uma lâmina ao pescoço e tudo parece mais intenso! Um musical com lâminas familiares a aproximar-se do seu devido lugar, o pescoço, fazem-nos agarrar à música para fugir aos arrepios. É um golpe de génio, o espectador vê mortes e sangue embalado na música. A mistura transforma as cenas, o som ganha cor e nós, cercados de iguais por todos os lados, não conseguimos resistir ao impeto musical. E, rapidamente, já não importa quem e como morre, quanto sangue jorra, o ambiente é de festa - com facilidade aceitamos como normais as mais bizarras acções. Fomos manipulados pelo som, desejamos que a celebração continue. Gostamos de todos, dos bons - se os houvesse, dos maus, de todos!, pois todos trazem a música gratificante que nos salva de todo aquele sangue. Mas só no fim nos apercebemos de como gostamos de todos e sentimos o conforto no desenlace da história de homens que vivem dos seus impulsos.

A imagem não nos distrai, o câmara é como uma coreógrafa, temos aqui uma perfeita fusão de som e imagem em que nenhuma das partes consegue existir de modo independente. Um filme extraordinário para aqueles que se deixam guiar numa sala de cinema.

link

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Rome - Discurso de Cícero

É divertido ouvir este discurso. De que acusariam Cícero se nos dias de hoje fizesse um discurso destes? Provavelmente algo do género do que dizem de Francisco Louçã.
E, mais divertido ainda, seria tal discurso apropriado?

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Os engenheiros e a fé

Em debate na SIC notícias Francisco Van Zeller afirma, com grande convicção, que o estudo que deu origem a novo estudo do LNEC e há hipótese Alcochete foi feito apenas por engenheiros. Como economista não preciso de ouvir mais nada. Já começo a conhecer bem o rigor e acuidade dos engenheiros - especialmente nos negócios. E assim que se metem engenheiros num assunto entra logo a análise "técnica", e isso tem uma magnificência semelhante às tábuas da lei. Como economista parece-me que a minha área é que devia ter a palavra final sobre as análises técnicas dos engenheiros.

Felizmente está na mesma sala Henrique Neto, a mostrar como se pensa em economia. E como é infeliz esta decisão de Alcochete.