segunda-feira, 23 de junho de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 7

Tal é a indústria graciosa e tal é o chá que os japoneses bebem. Vede agora como a civilização ocidental contrasta com os usos destes asiáticos. Têm os japoneses, para lá do Pacífico, um grande consumidor do seu produto: é o Yankee. Tanto mimo e tanto esmero na apanha da folha e preparações que se sucedem não bastariam para o chá que os americanos vão beber. Vem de Uji e de outros pontos, tal como os japoneses o preparam, para as firmas estrangeiras de Cobe e de Yokohama; é então submetido a novas operações, ao sabor fino do paladar de Nova Iorque e de Chicago. Não são agora as camponesas, esbeltas e trajando roupas novas, que acodem ao mister; trabalham máquinas a vapor, fumegam chaminés e guincham engrenagens; e ocupa-se no preparo um mundo feminino inqualificável, escória das cidades, esfarrapado, piolhoso, horripilante, que a gente vê sair das fábricas à tarde como uma leva de mendigas, cheias de pó, de pústulas, de miséria. O fabrico do chá ao gosto americano consiste num segundo aquecimento em grandes fornos e na adição de varios produtos, como pó de uma certa pedra, soops-stone, e o azul-da-prússia. Assim é expedido.

Acrescento a ligação a Memória, onde se podem encontrar algumas obras , em português, de diversas áreas.

http://purl.pt/401/1/index.html

domingo, 8 de junho de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 6

Quem quiser tomar conhecimento com a planta de chá, nas melhores condições de prosperidade e em mais belas galas de aspecto pitoresco, tem de ir até Uji, distante 15 milhas de Quioto; escolhendo de preferência um dos primeiros dias de Maio, quando os rebentos novos começam vicejando, o que marca o ínicio da faina da colheita. Faina e festa; a povoação inteira acorda da sua modorra provinciana; desperta em esperanças, em júbilos, em actividades incansáveis, para votar-se aos cuidados da preciosa folha; deverá presumir-se em bom critério, que a quadra remoçante da Primavera em flores, com aromas nas brisas e quenturas criadoras, contitui também um forte estímulo para a alegria repentina que se pinta nos rostos de toda aquela gente.
O quadro é deveras aprazível. Após uma banal estação de linha férrea, estende-se a cidadezinha garrida, com as suas vielas muito limpas e a fila de lojinhas abarrotadas de vária mercancia. Depois segue-se o rio, de águas límpidas e frescas, rico de tradições de glória; galga-se a ponte em arco, entra-se no bairro das chayas, dos hóteis, em tal quadra povoada de fregueses galhofeiros e de gentis mulheres, as gueishas, que cantam ou dedilham no inseparável shamicen, e vêm depois dos campos, vastos campos de chá a sucederem-se pelo horizonte, cuidados como jardins, em longos alinhamentos de arbustos, copados, arredondados, lembrando enormes manjericos, de delicada rama de um verde-escuro bronzeado; no azul distante, alguns famosos templos confusamente se recortam.
As moças de Uji estreiam kimonos novos para o caso, arregaçando as mangas com fitas escarlates; amarram em turbante em volta dos cabelos toalhas de cor azul-e-branca; e assim, esbeltas, graciosíssimas, em ranchos de dez, de doze companheiras, dirigem-se ao trabalho. É então um encanto para os olhos ir a gente surpreendê-las no afã do seu mister, dispensas peças campinas fora, como borboletas; indo de um ramo a outro ramo, de um arbusto a outro arbusto, por vezes ocultando-se entre o verde mais denso da folhagem. Os dedos róseos, miudinhos, a escorrerem de orvalho e mutiplicando-se em gestos delicados, vão colhendo os rebentos tenros do chá e atirando-os a grandes ceiras dispostas pelo chão; as bocas vão sorrindo, patenteado as enfiadas alvas dos dentinhos; os olhos esbraseiam em juvenis amores inconfessados; as vozes unem-se às vozes, em ritmos comoventes de velhas canções locais:

«Quando nasce o sol radioso
Por cima daquele outeiro,
Todas as águas do rio
Parecem memo um braseiro!...

«Nestas águas do rio d'Uji
- Tão milagrosas que são! -
Lavam-se todos os males
de que sofre o coração...»

No campo as raparigas. Nas casas os homens, as velhas, as crianças. Será rara a família que não tenha interesses na labuta; as grandes fábricas constituem excepção, como em todas as primitivas indústrias japonesas; em cada albergue se improvisa uma manufactura, modesta, familiar, onde todos trabalham, risonhos, palestrando. O chá é escolhido, escaldado, posto a secar, grelhado em fornos, enroladas as folhas ou reduzido a pó, depois empacotado, guardado em latas, em caixas, em boiões; um melindroso amanho que requer mãos incansáveis, dedos prestimosos, cuidados inauditos, segredos de processo, meticulosidades devotas que espantam os profanos, nos quais colabora a gente toda válida daqueles arredores.
Tal é a indústria graciosa e tal é o chá que os japoneses bebem. Vede agora como a civilização ocidental contrasta com s usos destes asiáticos. Têm os japoneses, para lá do Pacífico, um grande consumidor do seu produto: é o Yankee. Tanto mimo e tanto esmero na apanha da folha e preparações que se sucedem não bastariam para o chá que os americanos vão beber. Vem de Uji e doutros pontos, tal como os japoneses o preparam, para as firmas estrangeiras de Cobe e de Yokohama; é então submetido a novas operações, ao sabor do fino paladar de Nova Iorque e Chicago. Não são agora as camponesas, esbeltas e trajando roupas novas, que acodem ao mister; trabalham máquinas a vapor, fumegam chaminés e guincham engrenagens; e ocupa-se no preparo um mundo feminino inqualificável, escória das cidades, esfarrapado, piolhoso, horripilante, que a gente vê sair das fábricas à tarde como uma leva de mendigas, cheias de pó, de pústulas, de miséria. O fabrico do chá ao gosto americano consiste num segundo aquecimento em grandes fornos e na adição de vários produtos, como o pó de uma certa pedra, soopstone, e o azul-da-prússia. Assim é expedido.

terça-feira, 3 de junho de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 5

Passando, em horas de ócio, junto dos campos de chá, dos quais sinto prazer em acercar-me, palestro com os aldeões e aprendo noções várias respeitantes à delicada planta. Não pode ser transplantada, nem se multiplica por estaca ou por excerto, só por sementeira se propaga. Os países quentes, como os países frios, são-lhe nocivos; prospera nos climas temperados, nos sítios lavados de ar e luz, vizinhos dos cursos de água, convindo um ligeiro declive ao solo de cultura. Os arbustos são dispostos em renques paralelos, de norte a sul, para que o sol lhes bata em cheio desde pela manhã até à noite; as plantas mais cuidadas reclamam na Primavera grandes toldos de palha, que abriguem das geadas as tenras folhas dos rebentos. Durante o primeiro ano, dispensam adubos, que depois se aplicam em períodos frequentes. A guerra aos vermes, aos insectos, exige zelos incessantes. No fim de 4 anos, já o arbusto se presta à primeira colheita; mas são as velhas plantas, de cem anos, as que melhor produzem.