sexta-feira, 28 de março de 2008

Capa de O Culto do Chá



Capa do livro, nada fácil de encontrar, e fotografia do escritor Wenceslau de Moraes.

O tem um grande número de ilustrações, pequenos desenhos, que tornam a leitura mais agradável.

quinta-feira, 27 de março de 2008

Wesceslau de Moraes - O Culto do Chá

Parte 2

Oh, fé dos velhos tempos!... Oh, santos patriarcas de tão vários países e tão diferentes seitas, tenazes campeões, que fostes incutindo nos simples a crença, a esperança, o amor - bálsamos consoladores das duras misérias deste mundo -, como vos amo, a todos!...
Meus piedosos pensamentos elevam-se neste momento a Darumá. Segundo a tradição da gente japonesa, Darumá, o grande apóstolo indiano do budismo, veio à China aí pelo começo do século VI da nossa era cristã, e em terras chinesas pregou em honra da verdade, iluminando o espírito dos povos.
Consta que, por voluntária desistência das efémeras alegrias terreais, Darumá votou-se a passar a vida de joelhos sobre o solo pedregoso, absorto em contemplações místicas, sem mesmo permitir-se o simples regalo de dormir. Tantos anos permaneceu de tal maneira, que as pernas se lhe gastaram, claro está; e é assim, sem pernas, só com a cabeça e com o tronco, envolto num manto carmesim, que ainda hoje é figurado. A imagem tornou-se querida e popular entre esta boa gente japonesa; é mesmo um brinquedo corriqueiro entre as mãozitas das crianças - os santos e os meninos vivem sempre em boa companhia -; lembrando o tal brinquedo o nosso frade de sabugo, pela teima em voltar, por mais voltas que se lhe dêem, à sua postura habitual. Deve ainda saber-se que Darumá tem dado assunto, desde remotos tempos até hoje, a pintores da mais alta valia; Hokusai foi um deles, pintando o famoso Darumá sobre uma folha de papel de cerca de duzentos metros quadrados de grandeza, empregando oitenta litros de tinta no desenho e servindo-se de cinco vassouras à laia de pincéis; estendida a tela sobre o campo, no telhado de um templo a turba admirava a obra e aplaudia o mestre.
Mas voltemos ao que mais nos interessa, respeitante ao venerando culto que invoquei, ajoelhado sobre as pedras. Consta mais que, em certa noite, as pálpebras se lhe cerraram de fadiga, e o bom Darumá deixou-se adormecer, para só acordar pela manhã. Então, pedindo a alguém uma tesoura ou instrumento parecido, cortou a si próprio as pálpebras indignas e arremessou-as ao solo, num gesto de despeito... As pálpebras, por milagre, enraizaram, dando nascença a um gracioso arbusto nunca visto, que medrou mui de pronto e cujas folhas, tratadas de infusão pela água quente, foram um remédio precioso contra o sono o cansaço das vigílias. Estava conhecido o chá; tem pois na China a sua origem, e é coisa santa, como se acaba de provar. Crê que quer; mas devo advertir que este livro foi escrito para os crentes.

Retirado de O Culto do Chá

segunda-feira, 24 de março de 2008

Wenceslau de Moraes - O Culto do Chá

O Culto do Chá é uma das obras de Wenceslau de Moraes, mais uma que finalmente encontrei. Estava na secção de gastronomia.

Dada a dificuldade em encontrar a obra tentarei transcrever para o blog esse pequeno livro. Creio não serem de grande utilidade mais considerações sobre o escritor. O leitor atento encontrará melhor o valor do escritor na sua própria obra.


Parte 1

O CULTO DO CHÁ

Fala-se do Japão; nem, francamente, devera presumir-se que eu ia referir-me a um país qualquer ocidental, onde a nossa raça branca floresce.
É no Oriente, e em especial no Extremo Oriente, que as coisas comuns da criação ou os usos e costumes triviais da vida são susceptíveis de merecer um tal requinte, que constituam um verdadeiro culto. No espírito do europeu, despoetizado pela chateza dos ideais da época, atribulado pelas multíplices exigências da vida, pervertido pela febre do negócio, não medram de há muito os cultos. Especializando a observação ao chá, havemos de convir que este artigo de comércio, que de tão longe nos vem, prepositadamente adulterado conforme o nosso gosto, no fim de contas se resume numa detestável infusão que entrou em moda no sport social, simples pretexto para repastos pelintras, para reuniões banais, para palestras vãs.
A Ásia é outra coisa: a muitos propósitos imersa ainda em barbarismo, se assim se quer dizer; com mil defeitos e mil erros, que a sábia Europa aponta a dedo e algumas vezes corrige, quando pode, com a lógica dos seus canhões de tiro rápido; o que ela retém ainda, indiscutivelmente, esta, Ásia é o carácter ancestral, nada vulgar, nada rasteiro, palpitante de orgulhos de raça, aprazendo-se em sonhos e quimeras, acariciando a lenda, divinizando as coisas, prodigalizando os cultos; o que é, em todo caso, uma maneira amável de ir compreendendo a vida.

sexta-feira, 21 de março de 2008

Nova Estação

A primavera chegou. As flores, essas já por cá andavam.

quarta-feira, 19 de março de 2008

Phendrana Drifts

O tema de Phandrana Drifts no jogo Metroid Prime para Gamecube. Toda essa área está preenchida com este tema, dificilmente é esquecida por quem por lá passou. A zona de neve em conjunto com este tema forma um dos momentos mais elegantes dos jogos de vídeo.

sexta-feira, 14 de março de 2008

Conferência - Masafumi Takada

Um resumo da conferência do compositor Masafumi Takada na GDC pode ser encontrado aqui. A opinião dele como o som é o elemento dos jogos que mais nos marca em intensidade e duração tem o meu pleno aval. É um pouco diferente do cheiro, talvez por ser expressão pura das ideias, como já alguém considerou.
Masafumi trabalhou com jun Fukuda na composição da banda sonora do Killer 7, o que pode ser tomado como exemplo das suas capacidades.


Game Developers Conference

quarta-feira, 12 de março de 2008

Entrevista Mão Morta - Maldoror

Estou sujo!
Comido por piolhos!
Os porcos quando olham para mim vomitam!

Esta palavras são talvez o momento mais potente do espetáculo e igualmente aparentam uma boa síntese de Maldoror. Palavras que expõem imagens sanguinárias, cruéis.

O espetáculo é cativante, mas com alguma dificuldade em evitar grandes oscilações de intensidade - o que prejudica aquela sensação de leveza que por vezes o espectador consegue ter ao sair do espetáculo.
Vale a pena ver este concerto encenado baseado em Maldoror, mesmo que por vezes ainda pareça pouco apurado. Certamente que ficará melhor a cada espetáculo realizado.

A entrevista resume o que demais há para dizer sobre Maldoror.

domingo, 9 de março de 2008

As Farpas



Ontem, no hipódromo de Matosinhos, realizou-se a corrida de cavalos da estação do Outono, promovida pelo Jockey Club Portuense. Um dia belíssimo. O hipódromo, apesar de não ter a vista grandiosa do hipódromo de Belém, está situado risonhamente à beira do mar por um lado, cercado de pinheirais por outro. A pista, de mil e quinhentos metros de extensão, plana e de bom piso. Não obstante essas favoráveis condições, para disputar o prémio do Governo na importância de 300$000 réis inscreveram-se apenas dois cavalos. O prémio de 100$000 réis, do Jockey Club, foi alcançado um cavalo que correu só, e chegou à meta no meio de grandes aplausos... Efectivamente ele tinha-se vencido a si mesmo, que é o cúmulo da força e da filosofia.
Na tribuna reservada às famílias dos sócios e na tribuna do público não havia mais de duzentas senhoras. No interior do campo uma dúzia de carruagens, quase todas de praça. A maioria do público tinha tomado modestamente o trâmuei de Matosinhos. De sorte que, pelo seu aspecto exterior, esta corrida de cavalos parecia especialmente destinada a aperfeiçoar a raça dos carros americanos.
O Governo, que por proposta do governador civil do distrito retirou ao teatro lírico do Porto o subsídio do quatro contos de réis, mandando aplicar essa quantia ao custeio de uma casa de correcção, suprimiu igualmente o prémio de 300$000 réis à sociedade do Jockey Club.
Desviar do teatro para uma penitenciária a protecção pecuniária do Estado parece-me ser da parte do poder executivo um duro e acerbo epigrama ao dilantelismo portuense. Enquanto à supressão do prémio ao Jockey club, o facto não é talvez amável para o Sport do Largo dos Lóios e da Rua de Santo António, mas é justo.
Enquanto o Governo não proteger o aperfeiçoamento da raça humana por um meio conhecido e praticado em toda a parte - a instituição dos jardins de infância -, será inconveniente, e poderia até ser perigoso, estabelecer um excessivo desequilíbrio entre as perfeições progressivas do cavalo e das inferioridades estacionárias do cavaleiro.
Para as necessidades do homem o cavalo parece-me que já está desenvolvido de mais, porque o cavalo de corridas excede o limite da utilidade prática e é uma excecrescência monstruosa. Se querem fazer sacrifícios para aperfeiçoar a raça de alguns dos animais que nos servem, não é para o cavalo que devemos dirigir a nossa atenção.
O homem tem que saldar com o burro uma dívida de indemnização. O burro doméstico é um animal atrofiado pela dureza e pela crueldade humana. Estudos de zoologistas demonstram que o burro selvagem é muito mais belo, mais corpolento e mais forte do que o burro doméstico. Como esse prestante quadrúpede era sóbrio, paciente e bom, nós abusámos dele, sobrecarregámo-lo de trabalho, pusemo-lo em dieta permanente, enchemo-lo de pancada. Com esse regime o burro degenerou, cresceu-lhe pêlo, estreitaram-se-lhe os ossos, alongou-se-lhe a orelha, fez-se melancólico e casmurro. Em pequeno é ainda vivo, esbelto, elegante, ligeiro; mas logo que principia a conhecer o mundo e os homens torna-se sorumbático, pensativo e caturra.
É preciso proteger o burro. A espécie assinina é susceptível de grandes progressos. Tornar esses progressos efectivos é uma obrigação para com a nossa conssciência e para com o burro, tão injustamente desprezado e, todavia, tão útil animal, tão submisso, tão simpàticamente prestável aos pobres, aos velhos, às crianças e aos enfermos!

Retirado de "As Farpas" de Ramalho Ortigão

Uma conversa entre duas senhoras na casa dos 80:

"Eu também costumo ver a bola lá em casa porque o meu homem vê. Só quando dá na televisão dos ricos é que ele vai ver ao café."